Crônica Viu essa?

“Armadilhas da Vida: Lições da Infância”

Inventar moda logo pela manhã era um ritual. Quando meu pai saía para trabalhar e minha mãe fazia vista grossa, aproveitávamos para colocar nossas ideias em prática. Tínhamos uma capacidade inventiva infindável; mal acabava um projeto e já estávamos empenhados em novos planos. Podia ser o desenvolvimento de um novo brinquedo, como um carrinho de rolimã, que exigia visitas a serrarias, oficinas e ferro-velho. Íamos adquirindo materiais e estreitando contatos, aprendendo a importância de bons relacionamentos.

Mas meu forte eram as armadilhas. Algumas simples, como buracos no chão encobertos com ripas e folhas, ou arapucas construídas com gravetos e cipó fino extraído diretamente da natureza. Isso nos mostrava que tudo estava ao nosso alcance, às vezes nas coisas mais simples das quais não se espera nada.

As mais elaboradas, como as “de tropeço”, eram minha especialidade. Consistiam em atravessar uma fieira de um ponto fixo rasteiro até um gatilho invertido ao lado de uma árvore, por onde subia e era alçada em um galho com o peso pendurado, que cairia sobre a vítima. Outra, a “de laço”, usava o mesmo processo, com uma pedra como contrapeso, para laçar um bicho que ficaria pendurado no galho da árvore. Esta última vivia falhando; sabíamos que redes funcionavam melhor, mas com os materiais que tínhamos, usávamos laços. Os alvos eram pequenos mamíferos, como preás, coelhos, capivaras, gambás e algumas aves rasteiras, como codornas, perdizes, quero-queros ou saracuras. Nessas caças, percebíamos que a vida exige primazia, mas aceita adaptações e sempre oferece perigos.

Para capturar guarus e girinos, usávamos peneiras ou pequenas redes improvisadas. Havia várias armadilhas para passarinhos, como alçapões, e estilingues com mamonas, só para atordoar. Falavam do uso de visgo de leiteira para prender pássaros nos galhos, mas eu era contra mutilações dos bichos. Praticava uma espécie de caça esportiva: prendia e soltava, como uma forma de nos conhecermos melhor. Às vezes sobrava para os bichos um esfolado ou hematoma indevido e para mim um arranhão ou mordida devida, mas sempre os soltava. Era uma maneira de mostrar quem mandava naquelas matas, onde inclusive futuramente calhei de morar, mostrando que as guerras têm tréguas, e que todos têm seu dia de “perdeu, mané, não amola” e que sempre existe um meio-termo.

Para pessoas, a melhor era a “de tropeço”: uma lata cheia de água colocada em cima de um muro, amarrada com linha de náilon transparente atravessando a calçada na altura da cintura. Quem passasse distraído levaria um banho. Tínhamos também “pau de bosta”, dinheiro amarrado na linha, “cobra falsa” e o que mais surgisse para surpreender ou zoar alguém. Uma zoada muito usada eram duas touceiras ladeando uma trilha, amarradas para fazer a pessoa tropeçar, chamada de “ranca toco”, “come capim” ou “pé de gancho”, que eu usava como armadilha para caçar saci. Isso nos ensinava que o mundo é dos espertos e que toda história tem dois lados.

O tempo passou, vieram responsabilidades maiores e passei a enfrentar as pegadinhas e arapucas da vida a sério, mas com alguma vantagem por conhecer os princípios e consequências das armadilhas. Essas experiências da infância me prepararam para as artimanhas e desafios do cotidiano, mostrando que, mesmo em meio às adversidades, a inventividade e a adaptação são ferramentas poderosas para superar qualquer obstáculo.

JVivanJr.

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