O setor cultural de Ourinhos atravessa um longo processo de fragilização que, segundo especialistas e agentes locais, teve seu estopim em 2014, no penúltimo ano da gestão de Belkis Fernandes. A saída da então secretária de Cultura, Neusa Fleury, e a subsequente nomeação do publicitário Fernando Cavezalli para a pasta marcaram o início de um declínio que transformaria o cenário cultural da cidade.
O que se viu a partir dali foi o empobrecimento progressivo de um setor que antes era referência, processo que ganhou contornos ainda mais severos durante os mandatos de Lucas Pocay, iniciados em 2017.
Sob a gestão de Pocay, Ourinhos assistiu à continuidade acentuada da perda de seu status de polo de desenvolvimento cultural. O cenário foi descrito como um desmonte deliberado de políticas, eventos e estruturas consolidadas que haviam sido implantadas com sucesso durante o período em que Neusa Fleury foi secretária de Cultura.
O capítulo mais recente dessa crise envolve a precarização das atividades da pasta devido a reforma do centro Cultural, o Teatro fechado há um ano para uma reforma que ainda nem começou e, a adesão do município ao Sistema Nacional de Cultura (SNC), garantido pelo Marco Regulatório de 2024.
A nova legislação federal, apelidada de “SUS da Cultura”, exige que as cidades estruturem seus próprios sistemas de gestão para garantir o repasse contínuo de recursos da União. No entanto, o caminho para essa conformidade legal foi marcado por resistências políticas. Relatos apontam que a administração de Lucas Pocay dificultou a articulação da comunidade artística e do Fórum de Cultura, interferindo na tramitação do Projeto de Lei de iniciativa popular que visava criar o Fundo e o Conselho Municipal de Cultura.
Em um episódio emblemático no final de 2023, a Procuradoria Municipal chegou a rejeitar a proposta de formação do Conselho, alegando que a própria Secretaria de Cultura já exercia as funções de administração e fiscalização, ignorando a obrigatoriedade de participação social imposta pela lei federal.
Apesar dos entraves e da demora injustificada, a pressão do setor cultural surtiu efeito em maio de 2024, quando a Câmara Municipal aprovou e o Executivo sancionou a Lei nº 6.965. O texto legal finalmente instituiu o Fundo e o Conselho Municipal de Políticas Culturais (CMPC), ferramentas essenciais para a transparência e o fomento do setor. Contudo, a vitória legislativa ainda não se traduziu em realidade prática.
Mesmo com a troca de governo, a atual gestão de Guilherme Gonçalves ainda não efetivou a instalação do Conselho, mantendo a cultura de Ourinhos em um estado de espera institucional que coloca em risco o acesso pleno aos programas federais de incentivo.
O que diz a Secretaria de Cultura
O Ourinhos Diário questionou o atual Secretário de Cultura, Jefferson Bento, sobre os motivos da não efetivação do Fundo e da instalação do Conselho, passados 11 meses de mandato de Guilherme Gonçalves.
Em declaração à reportagem, Jefferson Bento afirmou que o Conselho e o Fundo serão instituídos ao longo de 2026 e que todo o processo será conduzido por uma empresa contratada pela prefeitura.
“A secretaria pretende formalizá-los no decorrer de 2026, através da contratação de uma empresa que possa conduzir este processo com mais imparcialidade, celeridade e inclusão de toda a sociedade civil e dos profissionais interessados. Tal iniciativa vai ao encontro das demandas exigidas não apenas localmente, mas também pelo Governo Federal”, argumentou o secretário.
Perguntado se é realmente necessária a contratação de uma empresa para tal demanda, ele argumentou que a regulamentação, operacionalização e execução de um Fundo exigem adequação a leis municipais, estaduais e federais (como o SICONV, o Marco Regulatório das OSCs e a Lei de Responsabilidade Fiscal, entre outras) e que a atual administração não possui capacidade operacional para tanto.
“A efetivação do Fundo (FMC) e a estruturação do Conselho (CMC) demandam um conjunto de ações técnicas, administrativas, jurídicas e participativas que ultrapassam a capacidade operacional atual da gestão pública municipal. Tais processos exigem metodologia especializada e conhecimento aprofundado sobre legislação cultural, modelos de governança, prestação de contas, planejamento cultural e condução de processos participativos”, declarou Bento.
Segundo o secretário, trata-se de uma complexidade jurídica e normativa que requer a elaboração de regimento interno, definição de competências, estrutura organizacional, composição representativa, metodologia de eleições e validação jurídica. A contratação de uma consultoria especializada asseguraria transparência, organização e conformidade com os princípios de participação social.
E acrescentou: “Empresas especializadas possuem ferramentas e metodologias já consolidadas para garantir representatividade e legitimidade. A equipe interna da administração pública já desempenha diversas funções essenciais e não dispõe de tempo ou especialização suficientes para conduzir um processo técnico tão detalhado. A contratação evita atrasos, retrabalhos e falhas estruturais que poderiam comprometer o funcionamento do FMC e do CMC no futuro, mesmo diante de mudanças de gestão”.

